O então discurso do presidente, em meio ao clima festivo do evento, abriu a
programação da exposição, tornada possível por meio de um transmissor de 500
watts, fornecido pela empresa norte-americana Westinghouse e instalado no alto
do Corcovado. Apenas 80 receptores espalhados na capital e nas cidades
fluminenses de Niterói e Petrópolis acompanharam a transmissão experimental,
que teve ainda música clássica - incluindo a ópera O Guarani, de Carlos Gomes -
durante toda a abertura da exposição.
À frente da iniciativa estava o cientista e educador, Edgar Roquette Pinto,
considerado o pai da radiodifusão brasileira. “Segundo o depoimento do próprio
Roquette, praticamente ninguém ouviu nada da transmissão, porque o barulho da
exposição era muito grande”, conta o historiador, Milton Teixeira. “Os
alto-falantes eram relativamente fracos, mas mesmo assim causou uma certa
sensação a transmissão do discurso do presidente Epitácio Pessoa e das
primeiras músicas”, diz. A transmissão ocorreu no momento em que as autoridades
da época investiram em obras e recursos financeiros para a exposição
comemorativa ao centenário da independência, montada no centro do Rio antes ocupada
pelo Morro do Castelo. No mesmo período, a insatisfação dos militares e da
nascente classe média com as oligarquias que dominavam a chamada República
Velha resultou na revolta dos tenentes que serviam no Forte de Copacabana, no
Rio de Janeiro, em 5 de julho. Meses antes, em 25 de março, era fundado o
Partido Comunista Brasileiro, em Niterói. Em São Paulo, um evento realizado no
mês de fevereiro influenciaria de forma definitiva o contexto cultural do país:
a Semana de Arte Moderna.
De acordo com Milton Teixeira, a elite de cafeicultores que comandava o país
soube tirar proveito político do centenário. “Era uma democracia só de fachada
e direitos sociais eram coisa que ninguém imaginava ainda existir. O país
estava numa crise danada, mas precisava afirmar a nacionalidade”, conta.
Especialista na história da cidade do Rio, ele lembra que para fazer a
exposição foi destruído naquele mesmo ano um marco do passado carioca, o Morro
do Castelo, primeiro núcleo urbano. “Ao mesmo tempo era criado nesse ano o
Museu Histórico Nacional (MHN), primeira instituição dedicada à preservação do
patrimônio histórico do país e cuja direção foi entregue ao historiador Gustavo
Barroso.”
Alguns dos pavilhões de países, estados e instituições erguidos na esplanada do
Castelo eram de construção sólida, mas outros, de madeira e gesso, foram feitos
para durar apenas o tempo da exposição. Apenas três sobrevivem até os dias de
hoje: o da França (atual sede da Academia Brasileira de Letras - ABL), o do
Distrito Federal (atual Museu da Imagem do Som) e o da Estatística, ocupado
pelo Centro Cultural do Ministério da Saúde. “O pavilhão da Inglaterra foi
demolido nos anos 70, depois de abrigar por décadas o Museu da Caça e Pesca, o
mesmo acontecendo com o que sediou por décadas o Ministério da Agricultura”,
conta Teixeira.
Apesar da transmissão durante a celebração do centenário da Independência, o
início efetivo e regular das transmissões do rádio ocorreu somente no ano
seguinte, mais uma vez graças ao esforço de Roquette Pinto. Ele tentou em vão
convencer o governo a comprar os equipamentos da Westinghouse, que permitiram a
transmissão experimental. A aquisição foi feita pela Academia Brasileira de
Ciências, e assim entrou no ar, em 20 de abril de 1923, a Rádio Sociedade do
Rio de Janeiro.
A emissora pioneira é a atual Rádio MEC, que foi doada pelo próprio Roquette
Pinto ao Ministério da Educação em 1936. Nesse ano, também foi fundada, a
princípio como emissora privada, a Rádio Nacional, que seria incorporada ao
patrimônio da União na década de 40.
Para Sonia Virginia Moreira, professora de comunicação da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj) e autora de livros sobre a história do rádio, a década
de 20 foi o chamado período experimental do veículo. “Era experimental em
termos de programação, sobre o que se podia fazer no rádio, mas muito
interessante em termos de organização do meio. Como não havia nenhuma história,
nenhuma memória do meio, o que se fez num primeiro momento foi organizar as
pessoas ou as pessoas se organizarem”, destaca.
“O resultado foi a constituição de grupos e associações que se reuniam em torno
do rádio”, acrescentou. Esses grupos e associações eram formados por pessoas
que emprestavam discos para as emissoras. “As rádios ficavam poucas horas no
ar, porque os transmissores não tinham capacidade de transmitir durante muito
tempo”, conta a professora.
Nessa fase, o rádio não era nem público e nem comercial, mas sim um meio
comunitário. “As emissoras se organizavam para suas transmissões experimentais
em torno dos chamados rádio-clubes”, ressalta Sonia Virginia. “Por isto, até
hoje muitas emissoras criadas nessa época, em todo o país, têm a denominação de
Rádio Clube, porque se constituíam, na verdade, em clubes de ouvintes”,
explica.
A era do rádio comercial surge a partir de 1932, quando o presidente Getúlio
Vargas, através do Decreto 21.111, autorizou as emissoras a ter até 10% de sua
programação sob a forma de publicidade. “Até então, o rádio era sustentado
apenas por contribuições de seus próprios ouvintes, que eram os mesmos que
ajudavam a fazer a programação”.
Com a permissão da publicidade, se plantou a raiz do modelo de rádio que a
partir da década de 40 se consolidou no país, o do veículo comercial, conforme
a professora. “Naquele momento, marcado pela Segunda Guerra Mundial, os
americanos passaram a influenciar não só a programação como o próprio modelo de
rádio feito no Brasil, eminentemente comercial, a exemplo do que se fazia nos
Estados Unidos”, diz a co-autora, junto com Luiz Carlos Saroldi, do livro Rádio
Nacional: o Brasil em Sintonia e organizadora da História do Radiojornalismo no
Brasil.
Passados 90 anos, a internet permite, de certa forma, um retorno às origens do
rádio. “Montar uma web rádio hoje é muito fácil, com a vantagem de que você não
precisa se organizar em clubes ou associações. Cada um pode ter sua própria
rádio”, avalia a professora.