Escola Municipal Francisca Freire, em Guamaré, é o reflexo da falta de investimento em educação
A Macau e a Guamaré onde nem o “pão e circo” chega A TRIBUNA DO NORTE foi conhecer detalhes do cotidiano das
cidades de Guamaré e Macau que gastaram, nos últimos quatro anos, cerca de R$
13 milhões em festas e shows. Os municípios estão entre os mais ricos do
Estado, mas essas riquezas não são revertidas em melhoria da qualidade de vida
de toda população. Muitos vivem em situação de miséria, sem nenhuma
infraestrutura ou acessos a serviços de educação e saúde.
Francisca Francinilda da Silva, 24 anos, marisqueira
Nua e descalça, a pequena Beatriz saciava a fome com um pedaço de
“chapéu de couro”, iguaria conhecida nas regiões mais pobres do Nordeste, feita
a partir de uma mistura de farinha de trigo, açúcar, ovo e água, frita em
fogo brando. No casebre de papelão, o qual divide com a mãe, o pai e mais três
irmãos, o fogão era uma lata de tinta velha, alimentado por cinzas de carvão.
Distante quarenta quilômetros dali, Carla tratava tainha, numa pia na qual
moscas, escamas e água suja se misturavam. Mas a felicidade em ter o que
oferecer aos filhos, ao marido e a si própria, após um dia de sorte na
pescaria, ofuscava qualquer detalhe. Moradoras de Macau e Guamaré,
respectivamente, cidades que somente em 2012 faturaram R$ 64,8 milhões em
royalties oriundos da exploração de petróleo, elas parecem habitar um mundo
paralelo, no qual a única riqueza é a miséria.
Não fosse o contexto no qual estão inseridas Beatriz e Carla, suas
histórias seriam mais duas dentre milhares de brasileiros que vivem na miséria.
Elas moram, porém, em municípios potiguares que gastaram, juntos, R$ 13 milhões
em festas, conforme detalhado pelo Ministério Público Estadual através da
Operação Máscara Negra, que investiga um complexo esquema de utilização de
dinheiro público para a contratação de bandas e artistas locais e nacionais, a
preços superfaturados. Em cidades nas quais o dinheiro não é problema,
situações como estas acima descritas são inimagináveis.
Macau aparece em quinto lugar na listagem dos municípios
potiguares com a maior participação industrial e Guamaré como o quarto
maior contribuinte no somatório das riquezas produzidas no estado potiguar. “O
caso de Guamaré é clássico. É a maldição da abundância de recursos nos dois
municípios. Parece uma sina. Os gestores não se preocupam com uma qualificada
destinação dos royalties para as áreas da Educação, Saúde e Infraestrutura”,
analisa o chefe do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no Rio
Grande do Norte (IBGE/RN), Aldemir Freire. Das 94 cidades potiguares que
receberam royalties da Petrobras em março passado, Guamaré e Macau despontam na
lista das cinco maiores recebedoras. Entretanto, os investimentos na
infraestrutura urbana e no desenvolvimento social destes municípios, aparentam
ser inversamente proporcionais ao volume arrecadado.
Analfabeta, Carla Edilza Simão não consegue um emprego formal. “Eu quero
trabalhar, mas não tem emprego. O jeito é ir pescar, tirar búzios, fazer faxina
na casa de família. É uma luta, meu filho, que só a gente sabe”, relata.
Moradora do Morro das Salinas, no subúrbio de Guamaré, ela talvez não saiba o
que significa Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma das riquezas de um
município ou país. Caso toda a riqueza produzida em Guamaré no ano de 2010
fosse igualitariamente dividida pelos 12.404 habitantes da cidade, Carla Edilza
seria uma das que receberia R$ 96.358,67 como sua parcela do PIB per capita.
Entretanto, a ela restam R$ 400 do Bolsa Família e cinco filhos para alimentar
e vestir.
Falta infraestrutura
A família de Beatriz divide uma casa de taipa na Comunidade do Maruim, em
Macau. Não há rua, mas um beco enlameado, sujo e com acúmulo de lixo. O
banheiro dela e de todos os outros moradores, é o braço de maré que passa ao
lado dos barracos, de onde eles também tiram o sustento através da pescaria de
sururu, peixes e búzios. E é esta mesma maré, que em dias de chuva ou lua
cheia, alaga as casas. Ratos e baratas passeiam pelo que resta dos
móveis sem nenhuma cerimônia. Água potável e energia elétrica chegam às
estruturas de barro, plástico, papelão e cipós através de “bicos”, alguns deles
clandestinos. O risco de acidentes é iminente.
Situação similar ocorre em Guamaré, cidade que desponta no cenário econômico
brasileiro como uma das que mais atrai investimentos em parques eólicos e na
mini-refinaria da Petrobras. Entretanto, muitas pessoas dependem exclusivamente
do serviço e dos recursos públicos para sobreviver. Há, em Macau e Guamaré,
lugares nos quais a política do ‘pão e circo’, nos moldes do imperador romano
Otávio Augusto, não alimenta e não alegra.
“Eu cheguei em Macau quando tinha cinco anos de idade. Eu moro numa casa com um
quarto, uma sala, uma cozinha e um lugar para tomar banho. As necessidades, a
gente faz num saco e joga na maré. Sou mãe de três filhos e estou grávida do
quarto. Eu cato marisco. Cada quilo é vendido por R$ 7. O máximo que consegui
tirar foi 25 quilos num dia. Meu marido é pescador, mas também faz bicos como
pedreiro. Tem que se virar, né? Estou grávida de seis meses e ainda não comecei
o pré-natal. Não tem médico no PSF aqui perto. Depois do Carnaval, o posto
deixou de funcionar por meses. Ainda não tem doutor”.
Carla Edilza Simão, 33 anos, desempregada“Vontade eu tenho de trabalhar, mas
não tem emprego aqui em Guamaré. Sou mãe de cinco filho, só um mora comigo.
Meus outros quatro filhos moram com o pai, porque aqui não cabe. Eu não sei
ler, mas decorei como assina meu nome. A gente que é pobre, não tem nada
resolvido. Meu sonho era ter uma casa para ter meus filhos todos juntos de mim.
Eu peço que eles tenham um pouco de paciência. Do bom e do melhor não, mas a
comida, eu arranjo. Com fé em Deus, eu vou ter meu filho de volta, quando
construir uma casinha maior. Quando chega de manhã, na hora do almoço, eu sinto
muita falta deles. Falar nos meus filhos me dá um aperto no coração”.
FONTE : FOCOELHO
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